É dificil acreditar, mas meu primeiro beijo
foi num ônibus, na volta da escola. E sabem com quem? Com o Cultura
Inútil! Pode? Até que foi legal. Nem eu nem ele sabíamos exatamente o
que era "o beijo". Só de filme. Estávamos virgens nesse assunto, e
morrendo de medo. Mas aprendemos. E foi assim...
Não sei se numa aula de Biologia ou de Química, o Culta tinha me mandado um dos seus milhares de bilhetinhos:
" Você é a glicose do meu metabolismo.
Te amo muito!
Paracelso"
E assinou com uma letrinha miúda:
Paracelso. Paracelso era outro apelido dele. Assinou com letrinha tão
minúscula que quase tive dó, tive pena, instinto maternal, coisas de
mulher...E também não sei por que: resolvi dar uma chance pra ele, mesmo
sem saber que tipo de lance ia rolar.
No dia seguinte, depois do inglês, pediu pra me acompanhar até em casa. No ônibus, veio com o seguinte papo:
- Um beijo pode deixar a gente exausto, sabia? - Fiz cara de desentendida.
Mas ele continuou:
- Dependendo do beijo, a gente põe em ação
29 músculos, consome cerca de 12 calorias e acelera o coração de 70 para
150 batidas por minuto. - Aí ele tomou coragem e pegou na minha mão.
Mas continuou salivando seus perdigotos:
- A gente também gasta, na saliva, nada
menos que 9 mg de água; 0,7 mg de albumina; 0,18 g de substâncias
orgânica; 0,711 mg de matérias graxas; 0,45 mg de sais e pelo menos 250
bactérias...
Aí o bactéria falante aproximou o rosto do
meu e, tremendo, tirou seus óculos, tirou os meus, e ficamos nos
olhando, de pertinho. O bastante para que eu descobrisse que, sem os
óculos, seus olhos eram bonitos e expressivos, azuis e brilhantes. E
achei gostoso aquele calorzinho que envolvia o corpo da gente. Ele
beijou a pontinha do meu nariz, fechei os olhos e senti sua respiração
ofegante. Seus lábios tocaram os meus. Primeiro de leve, depois com mais
força, e então nos abraçamos de bocas coladas, por alguns segundos.
E de reperente o ônibus já havia chegado no ponto final e já tínhamos transposto , juntos, o abismo do primeiro beijo.
Desci, cheguei em casa, nos beijamos de
novo no portão do prédio, e aí ficamos apaixonados por vária semanas.
Até que o mundo rolou, as luas vieram e voltaram, o tempo se esqueceu do
tempo, as contas de telefone aumentaram, depois diminuíram...e foi
ficando nisso. Normal. Que nem meu primeiro beijo. Mas foi inesquecível!
BARRETO, Antonio. Meu primeiro beijo. Balada do primeiro amor. São Paulo: FTD, 1977. p. 134-6.
Nenhum comentário:
Postar um comentário